Nunca me esquecerei daquela tarde quente, num parque qualquer (até tentei encontrar o nome no mapa, mas fui incapaz), daquele encontro que quase não aconteceu. Eu já estava no ramo há algum tempo, tempo o suficiente para saber que o pré-encontro servia mais para acalmar o coração do tutor do que qualquer outra coisa. Achei estranho quando informaram que era melhor que fosse num local público, que eu deveria trancar a agenda para ele, que gatos podiam gerar pânico (gatos também me intimidam). Mas a classe trabalhadora enfrenta qualquer desafio e não seria uma bolinha de pelos (aqui literal) que me impediria de conquistar o faz-me-rir extra.
A cena foi das mais bonitas que meus olhos já pousaram, uma família vindo com o seu bebê no carrinho e um cachorro de cair o queixo de tão belo, o sol batendo na pele deles como se Deus tivesse resolvido atacar de diretor de fotografia bem naquela hora. Eu só pude rir por dentro, era daquele serzinho que eu estava com medo? Ah, faça-me o favor. Quando a distância ficou mais curta, o show começou, “nada de querer encostar em mim”. Aconteceu tudo muito rápido e os detalhes da estadia foram determinados.
Não me recordo quanto tempo se passou, eis que chega o grande dia. Como com todos os hóspedes, deixei que ele reconhecesse o espaço e determinasse qual a distância queria de mim (toda possível). Descobri que gostava de cantinhos, parecia um guardião (do mal) da privada e era (ainda é) grande entusiasta da hora de comer. Senti que nosso laço se estreitou quando ele resolveu que o novo cantinho era bem embaixo da minha mesa de trabalho e “ai de mim” se eu me mexesse. Nesse dia tivemos nossa primeira conversa séria: “você veio pro meu lado, esse é o meu espaço, vamos ter que aprender a conviver ou tu escolhe outro canto”. Juro que ele entendeu. Ficou tudo melhor a partir daí, e um amor imenso foi se criando (apenas em mim, é claro).
Quando apresentei a terceira ponta dessa equação pra ele, foi caos completo. Pipo detestou Marquitos Felipitos, que já não era grande fã da ideia de pets. Mas o tempo é senhor de tudo e resolveu isso com louvor.
Foram muitas as questões que trouxeram Pipo definitivamente para nossas vidas, sou eternamente grata pela confiança depositada em nós por sua outra família, que continua em nossas vidas, ainda bem.
Para contexto, a personalidade dele é o equilíbrio perfeito entre o Caco Antibes e a Senhora dos Absurdos. Ele tem voz e, provavelmente, é quem mais fala aqui em casa. As pérolas de Pipo que mais gosto são: “Não tenho paciência não, cara.” “Fica no Jardins?” “Vala, minha Nossa Senhora!” “Vou sentar a pata na tua cara.” .
Uma vez, passeando com ele pelo parque, um desconhecido o definiu como O Triunfo do Capitalismo, não poderia ter definição melhor. Pipo sabe que é bonito [bonito não, lindo], só funciona com suborno e ataca sempre que pressionado, o negócio é que ele se sente pressionado com frequência. Nessa semana mesmo, abri a porta do meu banheiro por volta das 23h e, do interior, sai a criatura enjaulada, como quem representa com fidelidade os leões do Coliseu. Precisei reunir toda a minha calma para dizer firme: “Não, Pipo.”, dessa vez, saímos todos ilesos, menos minha axila, que nunca suou tanto de nervoso.
Como família, levamos um tempo (e dois adestramentos) para nos adaptarmos completamente. Ainda carrego algumas marcas na pele, e mesmo assim é impossível imaginar a vida sem ele, na verdade, nem nos lembramos de como as coisas eram antes.
Obrigada, Pipo, eu não mudaria nada em você (talvez o bafinho de bode, vai). Te amo!
FAQ Pipo:
Emoji? 🦊;
É filhote? Não;
Alergias? À pobreza;
Signo? Leão;
Pecado capital? 🦊 "Tem que escolher só um, gnt?" Luxúria;
Um medo? Inteligências Artificiais (Pipo não confia em nada que não tenha corpo físico, nem em nada que tenha);
Um projeto? Controle de natalidade mundial.



Pipo no YouTube
*As opiniões dele não refletem às minhas.
Pritaco:
s.m. 1. Palpite pouco confiável ou fidedigno; 2. Palpite dado por alguém que, geralmente, não conhece o assunto, mas insiste em comentar.
🕵️♀️ Ninguém Quer. - Eu sei o que você precisa, acredite em mim. Você precisa relaxar, assistir a algo que tenha muitos clichês, que não esmague o seu frágil coração, já tão açoitado pela vida. Você precisa de uma comédia romântica, mas das boas, vibes anos 90, só que sem o machismo extremo (vou descansar minha feminista hoje e passar longe de uma ou outra cena que poderia ser alterada). Seth Cohen e Veronica Mars (siiiiim!) têm uma química incrível, a série é leve, divertida, não é pedante e ainda te flagra bem de canto, torcendo pelo casal. Estaria ainda viva a romântica em mim?
Sobre filmes e perspectivas.
Tudo Sobre Minha Mãe, um filme de 1999, dirigido por Pedro Almodóvar.
— Tudo sobre minha mãe, sua mãe. Tudo sobre mim, e sobre você, mulher, também.
Almodóvar foi criado por mulheres. Sempre deixa claro o quanto isso o inspira e o quanto isso moldou sua visão sobre o mundo. Em um filme onde o tema principal é a perda, principalmente a perda do filho, da mãe e do maternar, a mãe de Almodóvar morre no ano de lançamento, pouco antes de sua estreia.
Em Tudo Sobre Minha Mãe, Almodóvar inicia contando que vai falar sobre All About Eve (que é um filme que ele gosta muito), com o filho de Manuela assistindo a uma parte desse filme. Essas pequenas referências cinematográficas vão se desenhando por todo o filme, sem ser clichê, sem querer copiá-las, mas homenageando-as como poucos.
Manuela é mãe e trabalha com transplante de órgãos. Mãe solo, cria seu filho e demonstra uma linda relação com ele, mesmo com pouco tempo de tela. Em seguida, o filho é atingido, e vemos o desespero de uma mãe que trabalha salvando vidas, entregando a vida de seu filho sem poder salvá-lo.
Após isso, Manuela sai em busca do pai do filho, também para encontrar pedaços do seu filho e reconstruir algo nela que ele levou. Talvez, encontrando o pai, ela consiga finalizar um ciclo em si, ao ver nele um pouco do filho de novo, poder tocá-lo, poder escolher se despedir.
O que ela encontra nessa busca é um mar de mulheres incríveis. Almodóvar traz mulheres para curar mulheres. Não é o pai que vai trazer acalanto, não são os homens que consertam mulheres quebradas, não aqui.
Encontramos Agrado, e que prazer é conhecê-la. Uma mulher completa, cheia de certezas e inseguranças. Abraça as dores de Manuela e pausa a vida para trazer lar. Já conheceu alguém que pararia tudo para cuidar? E agora, quero levar algumas linhas para falar sobre o monólogo de Agrado, que é uma das coisas mais lindas que já vi na tela. Nesse monólogo, Agrado conta que não é à toa que se chama Agrado, porque toda a sua vida foi para agradar os outros. Uma mulher transgênero e prostituta, que vive da exploração do pouco que é seu — o corpo — para uso dos outros. E que, mesmo tudo ali parecendo artificial, é tudo autêntico, tanto quanto se possa ser.
“Como eu estava dizendo, custa muito ser autêntica, senhora. E, nessas coisas, não se deve economizar, porque se é mais autêntica quanto mais se parece com o que sonhou para si mesma.”
Passando agora para Rosa, uma freira que descobrimos ter se relacionado com Lola, a travesti pai do filho de Manuela. Ela engravida, contrai AIDS e se vê abandonada. Isso te parece algum absurdo? Porque aqui não é. Não isso especificamente. Em São Paulo, tem uma casa que se chama Casa Fluida, onde não existem regras de gênero, aparência, contextos, gostos. A ideia é que qualquer pessoa possa se apresentar, e qualquer pessoa possa assistir. Almodóvar cria sua Casa Fluida em 1999. Se para nós o drama estaria na freira que engravida do travesti e adquire AIDS, o drama aqui é sobre uma mulher que se vê perdida, sem fé, ao contrair uma doença, ao mesmo tempo que ganha o peso da maternidade. Aqui, o drama é da perda e do reencontro, dos filhos, das mães, das amigas. Da comunidade. Rosa não se dá bem com sua mãe, não se conecta com ela, nem em seu leito de morte consegue se lançar aos cuidados dela. Talvez, sendo freira, tenha buscado uma paternidade que absorvesse essa falta, mas foi sendo cuidada por uma outra mãe que Rosa passa seus últimos dias. Foi no colo de uma mãe, mulher, que Rosa consegue passar por isso. Não a sua, mas uma. Mais uma mulher que dá a vida pelo filho, essa, literalmente.
E, ao fim, nós somos apresentados a Lola. Quase no final, como se não importasse tanto que ela aparecesse. Lola é pai, é mulher, é trans, mas não é mãe.
Almodóvar nos apresenta muitas formas de maternar, conta com a nossa compreensão para abraçar mulheres numa sociedade que ainda não o sabe fazer.
Termino como Pedro terminou:
“A todas as mulheres que atuam, a todos os homens que atuam e se tornam mulheres, a todas as mulheres, e finalmente a minha mãe.”
Fernanda Jorge
Com amor,
Pri.
só tive coragem de cumprimentar o Pipo de longe kkkkkk mas que ele é belíssimo, não há como negar <3
🤍